Sons, vozes e (des)pertencimentos

“De onde você é?”

Essa pergunta é a primeira coisa que se escuta quando, numa conversa informal, percebe-se um sotaque diferente.

No Mirada, diversos sotaques ibéricos se misturam nos palcos e nas ruas da cidade de Santos. Sotaques do Brasil e do mundo são ouvidos a todo instante. Eu, santista que deixou a cidade há algum tempo, ouvi essa pergunta milhares de vezes em cada lugar que passei. Sempre é muito difícil responder. De onde você é? A que lugar você pertence? Como se, nós, pessoas, estivéssemos fora de nossa prateleira.

Mas estando aqui já não sou estranha. Existe o pertencimento na voz, nas palavras.

O sotaque que chama a atenção agora é o da atriz Carolina Virgüez. Colombiana naturalizada brasileira, Carolina se tornou minha obsessão. A voz (e o leve sotaque) ecoam nos offs em todos os espetáculos do festival anunciando as criações de 13 diferentes países.

De onde ela é?

Em Corpos Opacos, peça que teve sua estreia nesta edição do festival e aborda a história real de mulheres religiosas colombianas do mosteiro Santa Inés de Montepulciano, Carolina se reconecta com sua raiz colombiana. O espanhol às vezes lhe escapa, como ela diz em algumas cenas, mas estão ali bem firmes suas raízes, sua história, seu pertencimento. E questiona em voz alta e poderosa: a quem pertence nosso corpos femininos? Nossa voz?  

Junto com Aquela Cia. de Teatro no espetáculo Guanabara Canibal, que reconta a história da fundação do Rio de Janeiro e de seus mortos aterrados, Carolina mergulha fundo no dilema brasileiro. De onde somos? De onde viemos? É a língua ou o sotaque que define quem somos? Pertencemos à prateleira portuguesa? Ou somos todos parte do Brasil indígena massacrado pela colonização?

De onde ela é?

A potência de sua voz, seus movimentos naturalmente calculados, a presença enorme de seu pequeno corpo em cena deixam claro que ela escolheu sua própria prateleira. “Eu descobri que posso ser tudo”, me contou.

Carolina Virgüez pertence aos palcos.

 

Juliana Ramos, editora web do Sesc