"O senhor… mire, veja": que a graça da vida é que ninguém é feito coisa-pronta.
É "meu dever honesto" dizer que não queria assistir à Grande Sertão: Veredas. E a razão de ter resistido ao convite, mesmo diante do entusiasmo de quem me oferecia o ingresso, foi ter saído do espetáculo meio cheio de coisa alguma, isso da primeira vez que assisti, ainda em sua temporada no Sesc Consolação.
Sim, já havia assistido e não contei isso àqueles que me ofereceram o ingresso por vergonha de, mesmo diante de suas inegáveis qualidades, ter me sentido tão carregado de nada após assistir ao espetáculo naquele dia.
A gente desiste de um monte de coisas na vida. Por vezes, desiste tanto que deixamos de ser e de tanto em tanto, de existir, dando à vida apenas uma cara de não-morte. O que eu não vi na peça que essas pessoas viram? Foi isso que me fez topar assistir novamente.
É verdade que, naquele dia, no centro de São Paulo, não era só a cidade e o cenário do espetáculo que estavam cinzas e pretos. Neste aspecto, também eu, em "meus infernos", me fazia cor e palco. Frio, metálico e triste por qualquer coisa e coisa qualquer. Quando aguardava nada acontecer e nenhum destino me cabia, vi o tempo passar, tanto que presenciei a saída dos atores e, entre um comentário e outro, confessaram que tal como eu, assim se sentiam naquela noite.
Poderia dizer que tudo estava bem que, quando é assim, nada de mal há, mas o fato é que na "qualidade de sofrente", eu gosto mesmo é de gostar. Quero ser atravessado, transbordado, desagasalhado de alegria, tristeza ou sentimento que o venha quando me proponho às artes.
Pausa para a primeira de meia dúzia de obviedades que destilarei neste texto.
Chega a ser pecado de morte essa ferramenta do Word querer corrigir as palavras nos presenteadas por João Guimarães Rosa. Sua contribuição para língua portuguesa é definitiva dada sua riqueza de comunicação e beleza de sua poesia.
Pois bem, diante do vivido naquele dia, era de se esperar que também assim terminasse essa noite. Mas não é assim que funciona, caro espectador. Teatro é seu dia de hoje. Ele não é feito coisa-pronta. Nem eu, nem os atores e demais envolvidos na montagem, nem o humor do motorista do ônibus, nem o candidato que iria votar nestas eleições, nem o tamanho da falta de amor neste mundo são os mesmos. Acredite, há um universo de possibilidades para além do que te oferecem, para além do pronto.
Deu-se então que logo que adentrei aquelas grades, fundo cinza e preto, ao soar da trilha regional com fogos e rezas, típicos dos interiores do Brasil, percebi que Grande Sertão: Veredas é desses espetáculos que você quer ser muitos, para olhar por outros pontos e ao mesmo tempo a fim de nada perder.
Mas como sou um cabra limitado a mim, feito Riobaldo, digo que "eu quase que de nada não sei, mas desconfio de muita coisa", pois mesmo sendo um recorte de nosso país, tão vasto e possível, dá para dizer que o "jaguncismo" não é de deixar tomar cabresto para as linhas do mapa geográfico, tampouco para as linhas do tempo. Aqui, nossa identidade é cutucada, cavucada e exposta feito fratura e obra de arte.
"Sertão é onde"? É dentro de nós e está em toda parte.
Se no cangaço era preciso se agrupar em nome de bandeiras políticas, identificação ideológica, vezes pelas famílias - dos deputados - diga-se, pelos amigos, por deus, pela pátria, e outras todas pelo dinheiro e pelo poder... hoje é o quê?
O passado político brasileiro passava diante dos olhos daqueles ali presentes na Casa Rosada e tudo o que eu pensava era em nosso presente político e brasileiro.
Neste triste momento em que nos polarizamos e sucumbimos em entreveros que desafiam qualquer razão, sobretudo, nas redes de não dormir, destas que não existem como lugar de se colocar copo, pois é tudo crença e nada material, e de social, muito tem de anti.
Seja no tempo dos "Sertões das Gerais" ou no Brasil de 2018, destacam-se os conflitos entre miseráveis. Esses criam antagonismos ideológicos que ganham discussões destemperadas nas quais "ninguém quer saber do caso inteirado, mas sim da sobrecoisa, da outra coisa" e, o que é mais triste, acaba por desejarem, um ao outro, "meia vida ou o dobro de morte", pois empatia nesse terreno seco não brota. É a "festa da guerra"!
"Seu moço", vos digo é que outros tomam de violência o que uns entendem por justiça e, do avesso, tamanha omissão, faz-se a injustiça. Também é verdade que todos estão loucos neste mundo. Vivemos uma urgente necessidade de abrir a cabeça. "Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor".
A desinteligência desse fuzuê é que nem um nem outro ganha. Dê licença de explicar: desde sempre nosso pensar é "horas da gente e horas dos outros". É um constante disse-me-disse advindo de família e outros relacionamentos, de TV aberta, das bolhas das redes sociais... e mais, muito disso tudo que absorvemos nesses meios é plantado, muito bem pensado por jagunço graúdo que age por interesses comuns aos dele. Doutor, lastimo muitíssimo trazer notícia infortuna, mas você é apenas comum, mais um, e não comum ao que é de interesse dele, compreende?
Que ninguém seja igual, tá tudo bem. Que "tem quem vem para mandar" e quem aqui esteja para obedecer, que seja por opção ou querência, mas não por condução! "Nonada"... É certo isso não!
"Cavalo que ama o dono, até respira do mesmo jeito". O que não podemos esquecer é que na obra do poeta e, em nossas vidas, os cavalos morrem antes de seus donos. Bom mesmo seria "sermos donos definidos de nós mesmos, mas Diadorim não deixa".
É que o "saber de um é a morte de outros".
Desistimos de um monte de coisas na vida, mas do amor que vem de amor, não deveríamos. "Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura".
Claudio Eduardo, editor web do Sesc