Mambembes ao vento

"No palco, na praça, no circo, num banco de jardim
Correndo no escuro, pichado no muro
Você vai saber de mim
Mambembe, cigano
Debaixo da ponte
Cantando
Por baixo da terra
Cantando
Na boca do povo
Cantando"

Quase todo mundo, em algum momento vida, já se encontrou sorrindo diante de um artista ou grupo ambulante, em uma praça, uma esquina, uma rua... Em lugares improváveis e inusitados, como sugere Chico Buarque em sua bela canção Mambembe.

Retratar esses personagens tão presentes no imaginário popular e, ao mesmo tempo, provocar reflexões foram os desafios da companhia baiana Operakata de Teatro no espetáculo O Circo de Soleinildo, no Mirada.

O público aos poucos foi chegando e se aglomerando na Praça Matriz de Peruíbe para acompanhar a história de Soleinildo e seus três companheiros, que viajam em busca de um público cada vez mais escasso em seu circo.

Era fim de tarde. A forte ventania que atingiu o local realçou a melancolia do velho palhaço Soleinildo e foi um desafio à parte para a produção do espetáculo. Daí não teve jeito. O vento virou personagem. O fogo falhou. O cenário voou. Tudo isso acabou, de uma forma ou de outra, sendo incorporado à história. Uma criança na plateia segurou o boneco de madeira que ameaçava voar. A fumaça cenográfica parece que ganhou vida própria nos embalos da ventania. Imprevistos assim fazem com que uma apresentação nunca seja igual à outra.


Cena do espetáculo apresentado em Peruíbe. Foto: Matheus José Maria

"Teatro é encontro com o público. É algo que não se assiste, se testemunha. O que acontece em cada apresentação é uma experiência única", disse Gilsérgio Botelho, diretor e cenógrafo, após a apresentação.

O espetáculo se relaciona também com as dificuldades enfrentadas pela companhia. "Viemos de um local (Vitória da Conquista, BA) onde o acesso à formação e aos equipamentos voltados às artes cênicas é muito mais restrito que em outras partes do país, e o que fazemos com isso é transformar. Partindo de um lugar de desconforto, a condição do artista é transformar, porque aí está o nosso respiro", disse Kécia Prado, produtora e integrante da companhia.

Da técnica mundialmente famosa do Cirque de Soleil à poesia singela de personagens pouco conhecidos como Soleinildo, o circo tem espaço para todo mundo. Saio do espetáculo com a boa sensação de que muitos artistas dos rincões do Brasil vão continuar existindo. Arte é isso: poesia, encontro, resistência.

Junior Pacheco, editor web do Sesc