Até quando esperar?

As cadeiras espalhadas pelo palco, aparentemente desorganizadas como ramificações, dão o tom do espetáculo e indicam as muitas possibilidades de interpretação que se pode ter da mais recente obra dirigida por Antunes Filho. O posicionamento milimetricamente pensado desses objetos cênicos, somados à marcação do piso com linhas horizontais e verticais cruzadas, passam a impressão de que estamos diante de um jogo de tabuleiro. Em cena, um recorte do cotidiano de uma família, uma espécie de jogo da vida.

Eu Estava em Minha Casa e Esperava que a Chuva Chegasse. É assim, de maneira simples, com a personagem da filha mais velha pronunciando a frase que dá título ao espetáculo, que começa a obra, baseada em texto do dramaturgo francês Jean-Luc Lagarce.

A partir daí, dessa primeira jogada, as cinco personagens (avó, mãe e três filhas) vão se posicionando e tecem uma trama onde o que mais importa é o que não é dito. As frases pronunciadas dão uma direção da história, mas abrem espaço para que o espectador crie seu próprio entendimento do texto.

A peça fala da espera e da esperança através de diversos pontos de vista. O desejo da garota é que a chuva chegue logo, trazendo calma diante da longa espera pela volta do caçula da família, que saiu de casa expulso pelo pai. Na minha “versão da história”, parafraseando uma personagem, a chuva é uma metáfora do tempo. Meus pais costumavam dizer que quando a chuva chega, é sinal de que o tempo virou. Todos buscamos uma virada de tempo que traga calmaria e mudança.

Mas quanto tempo o tempo tem? E quanto tempo perdemos “esperando sem esperar nada”, como diz outra personagem? Cada personagem tem sua própria visão sobre esse período que estiveram aguardando, mas é quase uma unanimidade entre elas a percepção de que foi um tempo perdido, imaginando o que poderiam ter feito nesse intervalo - a vida que é sempre imaginada como “uma bela e longa viagem” (seguimos pinçando expressões do espetáculos para usar aqui).

É uma crítica à nossa teimosia em manter o mesmo objetivo, mesmo que isso possa gerar um estado de inércia em que, mesmo cientes, nos colocamos, lançando “sorrisos à beira de lágrimas” e preferindo o luto à luta.

A violência, a raiva e o egoísmo não nos permitem dividir coisas que só fazem sentido se compartilhadas. O que fica claro é que ninguém ouve a doce voz da razão, de uma criança que consegue imaginar tudo e reluta em aceitar as vãs justificativas da experiência já cansada, cética e calejada.

Se eu soubesse [que ele não voltaria], não teria deixado(…). Teríamos saído no pátio, na rua. Teríamos nos comportado até muito mal, arregaçado as mangas”, conclui uma personagem.

Começamos mal, “como era de se temer”. Mas precisamos “lutar”. E sim, é importante esperar.

Ronaldo Domingues, editor web do Sesc

 

"Eu estava em minha casa e esperava que a chuva chegasse" tem temporada no Sesc Consolação, de 21/09 a 16/12/2018. Saiba mais aqui.