Quando comecei a fazer aulas de percussão, uma das primeiras lições que recebi foi:
– O ritmo está no dia a dia.
Como boa aprendiz, não captei por completo o ensinamento do mestre, mas comecei a marcar o andamento ao caminhar nas ruas, transformei as setas do carro em metrônomo, passei a reconhecer ciclos na repetição dos barulhos diários. Aos poucos, fui compreendendo que o ritmo não estava só no que era possível escutar, mas em tudo: na natureza, dentro dos nossos corpos, nos movimentos despretensiosos e naqueles condicionados pelo trabalho, nos fluxos da cidade, na interação com as máquinas. Deixamos o ritmo das coisas do mundo entrar em nós, e nem nos damos conta.
Essa percepção rítmica do cotidiano é levada ao extremo no espetáculo El Ritmo (Prueba 5), do argentino Matías Feldman. As ações rotineiras são transformadas em uma coreografia, às vezes frenética, para que possamos reconhecer como somos embalados por estranhas toadas. E mesmo quando não há agitação aparente, estamos em constante navegação.
Cena da peça El Ritmo (Prueba 5). Foto: Matheus José Maria
Na peça, essas conclusões se formulam de modo irônico. Rimos da nossa própria desgraça, por exemplo, quando dois personagens deslizam o dedo pelas telas de seus celulares de maneira sincronizada. Uma mulher mais velha, com dificuldade de caminhar, se contrapõe à correria dos demais funcionários da equipe – todos empregados em um escritório do ramo da logística, mas sem saberem para que serve o trabalho que fazem ali.
Desde Tempos Modernos, de Charlie Chaplin, vemos nossos corpos sendo moldados pelo tempo da indústria. Agora, com as transformações econômicas e dos meios de produção, eles foram tomados por espíritos de organizações virtuais e de dispositivos que mediam as nossas relações. Esse aspecto, assim como a velocidade na transmissão de mensagens, tantas vezes superficiais e supérfluas, também é ressaltado por meio das escolhas de encenação, que exploram nossa condição acelerada até o nível do absurdo.
E não é em direção a ele que estamos correndo mesmo?
Rachel Sciré, editora web do Sesc